Segurança Pública. Produto do autoritarismo vigente no país entre 1964 e 1984 e da
manipulação, por ele, dos aparelhos policiais, esse velho paradigma maniqueísta cindiu
Polícia, então, foi uma atividade caracterizada pelos segmentos progressistas da sociedade,
de forma equivocadamente conceitual, como necessariamente afeta à repressão antidemocrática,
à truculência, ao conservadorismo. “Direitos Humanos” como militância, na
outra ponta, passaram a ser vistos como ideologicamente filiados à esquerda, durante toda
a vigência da Guerra Fria (estranhamente, nos países do “socialismo real”, eram vistos
como uma arma retórica e organizacional do capitalismo). No Brasil, em momento posterior
da história, à partir da rearticulação democrática, agregou-se a seus ativistas a pecha de
“defensores de bandidos” e da impunidade.
Evidentemente, ambas visões estão fortemente equivocadas e prejudicadas pelo
preconceito.
Estamos há mais de um década construindo uma nova democracia e essa paralisia de
paradigmas das “partes” (uma vez que assim ainda são vistas e assim se consideram),
representa um forte impedimento à parceria para a edificação de uma sociedade mais
civilizada.
Aproximar a policia das ONGs que atuam com Diretos Humanos, e vice-versa, é
tarefa impostergável para que possamos viver, a médio prazo, em uma nação que respire
“cultura de cidadania”. Para que isso ocorra, é necessário que nós, lideranças do campo dos
Direitos Humanos, desarmemos as “minas ideológicas” das quais nos cercamos, em um
primeiro momento, justificável , para nos defendermos da polícia, e que agora nos impedem de
aproximar-nos. O mesmo vale para a polícia.
Podemos aprender muito uns com os outros, ao atuarmos como agentes defensores da
mesma democracia.
Nesse contexto, à partir de quase uma década de parceria no campo da educação para
os direitos humanos junto à policiais e das coisas que vi e aprendi com a polícia, é que gostaria
de tecer as singelas treze considerações a seguir:
CIDADANIA, DIMENSÃO PRIMEIRA
1ª - O policial é, antes de tudo um cidadão, e na cidadania deve nutrir sua razão de ser.
Irmana-se, assim, a todos os membros da comunidade em direitos e deveres. Sua condição
de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se bizarra qualquer reflexão fundada
sobre suposta dualidade ou antagonismo entre uma “sociedade civil” e outra “sociedade
policial”. Essa afirmação é plenamente válida mesmo quando se trata da Polícia Militar, que é
um serviço público realizado na perspectiva de uma sociedade única, da qual todos os
segmentos estatais são derivados. Portanto não há, igualmente, uma “sociedade civil” e outra
“sociedade militar”. A “lógica” da Guerra Fria, aliada aos “anos de chumbo”, no Brasil, é que se
encarregou de solidificar esses equívocos, tentando transformar a
polícia, de um serviço à cidadania, em ferramenta para enfrentamento do
“inimigo interno”. Mesmo após o
encerramento desses anos de paranoia, sequelas ideológicas persistem indevidamente,
obstaculizando, em algumas áreas, a elucidação da real função policial.
POLICIAL: CIDADÃO QUALIFICADO
2ª - O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o
Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais
comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz” popular
do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder. Além disso, porta a singular
permissão para o uso da força e das armas, no âmbito da lei, o que lhe confere natural e
destacada autoridade para a construção social ou para sua devastação. O impacto sobre a
vida de indivíduos e comunidades, exercido por esse cidadão qualificado é, pois, sempre
um impacto extremado e simbolicamente referencial para o bem ou para o mal-estar da
sociedade.
POLICIAL: PEDAGOGO DA CIDADANIA
3ª - Há, assim, uma dimensão pedagógica no agir policial que, como em outras
profissões de suporte público, antecede as próprias especificidades de sua especialidade.
Os paradigmas contemporâneos na área da educação nos obrigam a repensar o
agente educacional de forma mais includente. No passado, esse papel estava reservado
únicamente aos pais, professores e especialistas em educação. Hoje é preciso incluir com
primazia no rol pedagógico também outras profissões irrecusavelmente formadoras de opinião:
médicos, advogados, jornalistas e policiais, por exemplo.
O policial, assim, à luz desses paradigmas educacionais mais abrangentes, é um pleno
e legitimo educador. Essa dimensão é inabdicável e reveste de profunda nobreza a função
policial, quando conscientemente explicitada através de comportamentos e atitudes.
A IMPORTÂNCIA DA AUTO-ESTIMA
PESSOAL E INSTITUCIONAL
4ª - O reconhecimento dessa “dimensão pedagógica” é, seguramente, o caminho mais
rápido e eficaz para a reconquista da abalada autoestima policial. Note-se que os vínculos de
respeito e solidariedade só podem constituir-se sobre uma boa base de autoestima. A
experiência primária do “querer-se bem” é fundamental para possibilitar o conhecimento de
como chegar a “querer bem o outro”. Não podemos viver para fora o que não vivemos para
dentro.
Em nível pessoal, é fundamental que o cidadão policial sinta-se motivado e orgulhoso
de sua profissão. Isso só é alcançável à partir de um patamar de “sentido existencial”. Se a
função policial for esvaziada desse sentido, transformando o homem e a mulher que a exercem
em meros cumpridores de ordens sem um significado pessoalmente assumido como ideário, o
resultado será uma autoimagem denegrida e uma baixa autoestima.
Resgatar, pois, o pedagogo que há em cada policial, é permitir a ressignificação da
importância social da polícia, com a consequente consciência da nobreza e da dignidade dessa
missão.
A elevação dos padrões de autoestima pode ser o caminho mais seguro para uma boa
prestação de serviços. Só respeita o outro aquele que se dá respeito a si mesmo.
POLÍCIA E ‘SUPEREGO’ SOCIAL
5ª - Essa “dimensão pedagógica”, evidentemente, não se confunde com “dimensão
demagógica” e, portanto, não exime a polícia de sua função técnica de intervir preventivamente
no cotidiano e repressivamente em momentos de crise, uma vez que democracia nenhuma se
sustenta sem a contenção do crime, sempre fundado sobre uma moralidade mal constituída e
hedonista, resultante de uma complexidade causal que vai do social ao psicológico.
Assim como nas famílias é preciso, em “ocasiões extremas”, que o adulto sustente,
sem vacilar, limites que possam balizar moralmente a conduta de crianças e jovens, também
em nível macro é necessário que alguma instituição se encarregue da contenção da sociopatia.
A polícia é, portanto, uma espécie de superego social indispensável em culturas
urbanas, complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que estaríamos
expostos na absurda hipótese de sua inexistência. Possivelmente por isso não se conheça
nenhuma sociedade contemporânea que não tenha assentamento, entre outros, no poder da
polícia. Zelar, pois, diligentemente, pela segurança pública, pelo direito do cidadão de ir e vir,
de não ser molestado, de não ser saqueado, de ter respeitada sua integridade física e moral, é
dever da polícia, um compromisso com o rol mais básico dos direitos humanos que devem ser
garantidos à imensa maioria de cidadãos uns e trabalhadores.
Para isso é que a polícia recebe desses mesmos cidadãos a unção para o uso da
força, quando necessário.
RIGOR versus VIOLÊNCIA
6ª - O uso legítimo da força não se confunde, contudo, com truculência.
A fronteira entre a força e a violência é delimitada, no campo formal, pela lei, no
campo racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo antagonismo que deve
reger a metodologia de policiais e criminosos.
POLICIAL versus CRIMINOSO:
METODOLOGIAS ANTAGÔNICAS
7ª - Dessa forma, mesmo ao reprimir, o policial oferece uma visualização pedagógica,
ao antagonizar-se aos procedimentos do crime.
Em termos de inconsciente coletivo, o policial exerce função educativa arquetípica:
deve ser “o mocinho”, com procedimentos e atitudes coerentes com a “firmeza moralmente
reta”, oposta radicalmente aos desvios perversos do outro arquétipo que se lhe contrapõe: o
bandido.
Ao olhar para uns e outros, é preciso que a sociedade perceba claramente as
diferenças metodológicas ou a “confusão arquetípica” intensificará sua crise de moralidade,
incrementando a ciranda da violência. Isso significa que a violência policial é geradora de mais
violência da qual, mui comumente, o próprio policial torna-se a vítima.
Ao policial, portanto, não cabe ser cruel com os cruéis, vingativo contra os antissociais,
hediondo com os hediondos. Apenas estaria com isso, liberando, licenciando a sociedade para
fazer o mesmo, à partir de seu patamar de visibilidade moral. Não se
ensina a respeitar desrespeitando, não se pode educar para preservar a
vida matando, não importa quem seja. O
policial jamais pode esquecer que também o observa o inconsciente coletivo.
A ‘VISIBILIDADE MORAL’ DA POLÍCIA: IMPORTÂNCIA DO EXEMPLO
8ª - Essa dimensão “testemunhal”, exemplar, pedagógica, que o policial carrega
irrecusavelmente é, possivelmente, mais marcante na vida da população do que a própria
intervenção do educador por ofício, o professor.
Esse fenômeno ocorre devido à gravidade do momento em que normalmente o policial
encontra o cidadão. À polícia recorre-se, como regra, em horas de fragilidade emocional, que
deixam os indivíduos ou a comunidade fortemente “abertos” ao impacto psicológico e moral da
ação realizada.
Por essa razão é que uma intervenção incorreta funda marcas traumáticas por anos ou
até pela vida inteira, assim como a ação do “bom policial” será sempre lembrada com
satisfação e conforto.
Curiosamente, um significativo número de policiais não consegue perceber com clareza
a enorme importância que têm para a sociedade, talvez por não haverem refletido
suficientemente a respeito dessa peculiaridade do impacto emocional do seu agir sobre a
clientela. Justamente aí reside a maior força pedagógica da polícia, a grande chave para a
redescoberta de seu valor e o resgate de sua autoestima.
É essa mesma “visibilidade moral” da polícia o mais forte argumento para convencê-la
de sua “responsabilidade paternal” (ainda que não paternalista) sobre a comunidade. Zelar pela
ordem pública é, assim, acima de tudo, dar exemplo de conduta fortemente baseada em
princípios. Não há exceção quando tratamos de princípios, mesmo quando está em questão a
prisão, guarda e condução de malfeitores. Se o policial é capaz de transigir nos seus princípios
de civilidade, quando no contato com os sociopatas, abona a violência, contamina-se com o
que nega, conspurca a normalidade, confunde o imaginário popular e rebaixa-se à igualdade
de procedimentos com aqueles que combate.
Note-se que a perspectiva, aqui, não é refletir do ponto de vista da “defesa do bandido”,
mas da defesa da dignidade do policial.
A violência desequilibra e desumaniza o sujeito, não importa com que fins seja
cometida, e não restringe-se a áreas isoladas, mas, fatalmente, acaba por dominar-lhe toda a
conduta. O violento se dá uma perigosa permissão de exercício de pulsões negativas, que
vazam gravemente sua censura moral e que, inevitavelmente, vão alastrando-se em todas as
direções de sua vida, de maneira incontrolável.
“ÉTICA” CORPORATIVA versus ÉTICA CIDADÃ
9ª - Essa consciência da autoimportância obriga o policial a abdicar de qualquer lógica
corporativista.
Ter identidade com a polícia, amar a corporação da qual participa, coisas essas
desejáveis, não se podem confundir, em momento algum, com acobertar práticas abomináveis.
Ao contrário, a verdadeira identidade policial exige do sujeito um permanente zelo pela
“limpeza” da instituição da qual participa.
Um verdadeiro policial, ciente de seu valor social, será o primeiro interessado no
“expurgo” dos maus profissionais, dos corruptos, dos torturadores, dos psicopatas. Sabe que o
lugar deles não é polícia, pois, além do dano social que causam,
prejudicam o equilíbrio psicológico de todo o conjunto da corporação e
inundam os meios de comunicação social com
um marketing que denigre o esforço heroico de todos aqueles outros que cumprem
corretamente sua espinhosa missão. Por esse motivo, não está disposto a conceder-lhes
qualquer tipo de espaço.
Aqui, se antagoniza a “ética da corporação” (que na verdade é a negação de qualquer
possibilidade ética) com a ética da cidadania (aquela voltada à missão da polícia junto a seu
cliente, o cidadão).
O acobertamento de práticas espúrias demonstra, ao contrário do que muitas vezes
parece, o mais absoluto desprezo pelas instituições policiais. Quem acoberta o espúrio permite
que ele enxovalhe a imagem do conjunto da instituição e mostra, dessa forma, não ter qualquer
respeito pelo ambiente do qual faz parte.
CRITÉRIOS DE SELEÇÃO,
PERMANÊNCIA E ACOMPANHAMENTO
10ª - Essa preocupação deve crescer à medida em que tenhamos clara a preferência
da psicopatia pelas profissões de poder. Política profissional, Forças Armadas, Comunicação
Social, Direito, Medicina, Magistério e Polícia são algumas das profissões de encantada
predileção para os psicopatas, sempre em busca do exercício livre e sem culpas de seu poder
sobre outrem.
Profissões magníficas, de grande amplitude social, que agregam heróis e mesmo
santos, são as mesmas que atraem a escória, pelo alcance que têm, pelo poder que
representam.
A permissão para o uso da força, das armas, do direito a decidir sobre a vida e a morte,
exercem irresistível atração à perversidade, ao delírio onipotente, à loucura articulada.
Os processos de seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos no
bloqueio à entrada desse tipo de gente. Igualmente, é nefasta a falta de um maior
acompanhamento psicológico aos policiais já na ativa.
A polícia é chamada a cuidar dos piores dramas da população e nisso reside um
componente desequilibrador. Quem cuida da polícia?
Os governos, de maneira geral, estruturam pobremente os serviços de atendimento
psicológico aos policiais e aproveitam muito mal os policiais diplomados nas áreas de saúde
mental.
Evidentemente, se os critérios de seleção e permanência devem tornar-se cada vez
mais exigentes, espera-se que o Estado cuide também de retribuir com salários cada vez mais
dignos.
De qualquer forma, o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não cabe
apenas ao Estado mas aos próprios policiais, os maiores interessados em participarem de
instituições livres de vícios, valorizadas socialmente e detentoras de
credibilidade histórica. DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO
versus HIERARQUIA
11ª - O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da polícia, passa também pela
saúde emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, sabemos que
policiais maltratados internamente tendem a descontar sua agressividade sobre o cidadão.
Evidentemente, polícia não funciona sem hierarquia. Há, contudo, clara distinção entre
hierarquia e humilhação, entre ordem e perversidade.
Em muitas academias de polícia (é claro que não em todas) os policiais parecem ainda
ser “adestrados” para alguma suposta “guerra de guerrilhas”, sendo submetidos a toda ordem
de maus-tratos (beber sangue no pescoço da galinha, ficar em pé sobre formigueiro, ser
“afogado” na lama por superior hierárquico, comer fezes, são só alguns dos recentes exemplos
que tenho colecionado à partir da narrativa de amigos policiais, em diversas partes do Brasil).
Por uma contaminação da ideologia militar (diga-se de passagem, presente não
apenas nas PMs mas também em muitas polícias civis), os futuros policiais são, muitas vezes,
submetidos a violento estresse psicológico, a fim de atiçar-lhes a raiva contra o “inimigo” (será,
nesse caso, o cidadão?).
Essa permissividade na violação interna dos Direitos Humanos dos policiais pode dar
guarida à ação de personalidades sádicas e depravadas, que usam sua autoridade superior
como cobertura para o exercício de suas doenças.
Além disso, como os policiais não vão lutar na extinta guerra do Vietnã, mas atuar nas
ruas das cidades, esse tipo de “formação” (deformadora) representa uma perda de tempo,
geradora apenas de brutalidade, atraso técnico e incompetência.
A verdadeira hierarquia só pode ser exercida com base na lei e na lógica, longe,
portanto, do personalismo e do autoritarismo doentios.
O respeito aos superiores não pode ser imposto na base da humilhação e do medo.
Não pode haver respeito unilateral, como não pode haver respeito sem admiração. Não
podemos respeitar aqueles a quem odiamos.
A hierarquia é fundamental para o bom funcionamento da polícia, mas ela só pode ser
verdadeiramente alcançada através do exercício da liderança dos superiores, o que pressupõe
práticas bilaterais de respeito, competência e seguimento de regras lógicas e suprapessoais.
DIREITOS HUMANOS DOS POLICIAIS —HUMILHAÇÃO versus HIERARQUIA
12ª - No extremo oposto, a debilidade hierárquica é também um mal. Pode passar uma
imagem de descaso e desordem no serviço público, além de enredar na malha confusa da
burocracia toda a prática policial.
A falta de uma Lei Orgânica Nacional para a polícia civil, por exemplo, pode propiciar
um desvio fragmentador dessa instituição, amparando uma tendência de definição de conduta,
em alguns casos, pela mera junção, em “colcha de retalhos”, do conjunto das práticas de suas
delegacias.
Enquanto um melhor direcionamento não ocorre em plano nacional, é fundamental que
os estados e instituições da polícia civil direcionem estrategicamente o processo de maneira a
unificar sob regras claras a conduta do conjunto de seus agentes, transcendendo a mera
predisposição dos delegados localmente responsáveis (e superando,
assim, a “ordem” fragmentada, baseada na personificação). Além do
conjunto da sociedade, a própria polícia
civil será altamente beneficiada, uma vez que regras objetivas para todos (incluídas aí as
condutas internas) só podem dar maior segurança e credibilidade aos que precisam executar
tão importante e ao mesmo tempo tão intrincado e difícil trabalho.
A FORMAÇÃO DOS POLICIAIS
13ª - A superação desses desvios poderia dar-se, ao menos em parte, pelo
estabelecimento de um “núcleo comum”, de conteúdos e metodologias na formação de ambas
as polícias, que privilegiasse a formação do juízo moral, as ciências humanísticas e a
tecnologia como contraponto de eficácia à incompetência da força bruta.
Aqui, deve-se ressaltar a importância das academias de Polícia Civil, das escolas
formativas de oficiais e soldados e dos institutos superiores de ensino e pesquisa, como bases
para a construção da Polícia Cidadã, seja através de suas intervenções junto aos policiais
ingressantes, seja na qualificação daqueles que se encontram há mais tempo na ativa. Um
bom currículo e professores habilitados não apenas nos conhecimentos técnicos, mas
igualmente nas artes didáticas e no relacionamento interpessoal, são fundamentais para a
geração de policiais que atuem com base na lei e na ordem hierárquica, mas também na
autonomia moral e intelectual. Do policial contem-porâneo, mesmo o de mais simples escalão,
se exigirá, cada vez mais, discernimento de valores éticos e condução rápida de processos de
raciocínio na tomada de decisões.
CONCLUSÃO
A polícia, como instituição de serviço à cidadania em uma de suas demandas mais
básicas — Segurança Pública — tem tudo para ser altamente respeitada e valorizada.
Para tanto, precisa resgatar a consciência da importância de seu papel social e, por
conseguinte, a autoestima.
Esse caminho passa pela superação das sequelas deixadas pelo período ditatorial:
velhos ranços psicopáticos, às vezes ainda abancados no poder, contaminação anacrônica
pela ideologia militar da Guerra Fria, crença de que a competência se alcança pela truculência
e não pela técnica, maus-tratos internos a policiais de escalões inferiores, corporativismo no
acobertamento de práticas incompatíveis com a nobreza da missão policial.
O processo de modernização democrática já está instaurado e conta com a parceria de
organizações como a Anistia Internacional (que, dentro e fora do Brasil, aliás, mantém um
notável quadro de policiais a ela filiados).
Dessa forma, o velho paradigma antagonista da Segurança Pública e dos Direitos
Humanos precisa ser substituído por um novo, que exige desacomodação de ambos os
campos: “Segurança Pública com Direitos Humanos”.
O policial, pela natural autoridade moral que porta, tem o potencial de ser o mais
marcante promotor dos Direitos Humanos, revertendo o quadro de descrédito social e
qualificando-se como um personagem central da democracia. As organizações nãogovernamentais
que ainda não descobriram a força e a importância do policial como agente de
transformação, devem abrir-se, urgentemente, a isso, sob pena de, aferradas a velhos
paradigmas, perderem o concurso da ação impactante desse ator social.
Direitos Humanos, cada vez mais, também é coisa de polícia!